O objetivo geral nesta área é o de examinar o panorama na América Latina e no Caribe, numa dupla dimensão, que envolve, de um lado, a maneira como a macrorregião interage com a política externa dos EUA e, do outro, em sua dinâmica política e econômica com ênfase nos países da América do Sul.
As análises e as pesquisas a serem desenvolvidas neste âmbito tratarão, em tópicos específicos, da integração regional e sub-regional dos países do subcontinente, da agenda de segurança dos Estados Unidos na sua relação com os países que o compõem e da questão dos recursos energéticos e suas implicações políticas, econômicas e estratégicas.
O trabalho previsto nesta área busca examinar não só os interesses políticos e econômicos defendidos pelos governos dos EUA e dos países estudados, mas também o comportamento dos principais atores, públicos e privados, que influenciam o processo decisório em termos do posicionamento e da estratégia dos governos frente à evolução das respectivas conjunturas internas e, ao mesmo tempo, as relações políticas e econômicas no plano regional e sub-regional.
Nesse sentido, o estudo se propõe a identificar as tendências de longo prazo que regem o comportamento dos Estados e dos atores não-estatais envolvidos na temática abordada – sem dispersar a atenção com uma abordagem meramente circunstancial, limitada a conjunturas específicas. O foco, em cada uma das questões a serem tratadas, estará voltado para os interesses profundos envolvidos e para a evolução histórica dos problemas mais relevantes.
Explorando diferentes aspectos dessa temática, as linhas compreendidas na presente área são informadas por uma mesma hipótese geral, que pode ser formulada sinteticamente nos termos que se seguem: as mudanças nas relações de força operadas no sistema internacional nos últimos quinze anos (comprometimento maciço de recursos materiais e políticos dos Estados Unidos em outras regiões do globo; fortalecimento de novos polos de poder – China, Índia, Rússia), e o papel secundário que a América Latina e o Caribe desempenham na agenda internacional dos EUA favorecem o desenvolvimento de iniciativas independentes da influência norte-americana na macrorregião. Esta afirmativa aplica-se particularmente à América do Sul.
Com efeito, historicamente, os períodos em que os EUA atribuíram pouca importância à América do Sul acabaram contribuindo para o avanço da autonomia política e econômica da região. Foi o que ocorreu durante a Segunda Guerra Mundial, quando a industrialização ganhou grande impulso em países como o Brasil e a Argentina.
Ora, as atuais relações entre os EUA e o conjunto dos países sul-americanos têm sido marcadas, nos últimos anos, por um paradoxo que envolve, de um lado, o distanciamento político de parte de alguns países e, do outro, a intensificação dos vínculos econômicos.
As iniciativas norte-americanas para a região – em áreas tão diferentes quanto a liberalização comercial, o combate ao narcotráfico e ao terrorismo, a ajuda ao desenvolvimento e o controle da emigração para os EUA – têm se mostrado mais reativas do que proativas. De um modo geral, respondem a circunstâncias específicas e raramente se baseiam em análises abrangentes e aprofundadas. Essas iniciativas ignoram as necessidades dos países afetados pela política externa norte-americana.
Do lado dos governos e de grande parte dos atores sul-americanos, não falta quem considere o descaso de Washington como algo positivo, diante de um passado em que a intervenção norte-americana na região produziu consequências nefastas, tanto no plano da política quanto no da economia. Esse intervencionismo se traduziu, na esfera política, na “desestabilização” de governos democráticos que adotaram posições conflitantes com os interesses de Washington e no apoio dos EUA a regimes ditatoriais. No plano econômico, a influência norteamericana foi decisiva, nas últimas duas décadas, para a reestruturação das economias nacionais nos termos indicados pelo FMI e por outras instituições financeiras. O chamado “Consenso de Washington”, como esse conjunto de políticas ficou conhecido, enfraqueceu a capacidade dos governos sul-americanos de combater os problemas históricos da miséria e da exclusão social, ao mesmo tempo em que teve papel no aumento da dependência da região em relação à exportação de produtos agrícolas e de recursos naturais, em detrimento de produtos de maior valor agregado.
Na primeira década deste século , os governantes de diversos países têm esboçado uma trajetória de maior autonomia. Uma série de iniciativas políticas colocaria em xeque a hegemonia dos EUA sobre a região. Dentre elas, merecem destaque a busca de consolidação do Mercosul, a recente criação da Comunidade Sul-Americana de Nações e o projeto do presidente venezuelano Hugo Chávez de uma integração regional sem participação norte-americana por meio da Aliança Bolivariana das Américas (Alba). A Venezuela, em particular, adotou uma postura de enfrentamento com os EUA, fazendo uso de seus imensos recursos petrolíferos e da situação de alta de preços dos hidrocarburetos como alicerce para enfrentar Washington em termos de influência política. Na mesma linha, mas de implicações mais radicais, deve ser assinalado ainda o estreitamento dos laços da Venezuela com a Rússia no campo militar – aquisição de equipamentos e entendimentos para a realização de exercícios militares conjuntos.
Não se trata de um caso isolado. Numerosos governos sul-americanos manifestaram resistência à agenda hegemônica implementada pela administração Bush em escala mundial ou, ao menos, buscaram constituir capacidades autônomas parciais. Essa atitude se tornou evidente por ocasião da polêmica internacional em torno da invasão do Iraque, em 2003, quando Chile e México, então membros do Conselho de Segurança, países com intensos graus de integração econômica com os EUA, negaram apoio à intervenção militar no Golfo Pérsico. Nesse período, a diplomacia norte-americana fracassou em sua tentativa de eleger seus candidatos (primeiro, o salvadorenho Francisco Flores e, depois, o mexicano Luis Derbez) ao cargo de secretário-geral da OEA. No plano econômico, os países da América do Sul tratam de diversificar suas relações globais, com iniciativas em relação à Europa Ocidental, à China e à Índia que visam, claramente, reduzir sua dependência diante dos EUA. O evento mais recente — e mais significativo — a ilustrar essa tendência foi o encontros dos presidentes sul-americanos com os chefes de Estado reunidos no Brasil para a cúpula dos BRICS, em julho próximo passado, bem assim como os encontros que vários deles mantiveram com o presidente chinês, Xi Jinping, subsequentemente, em suas próprias capitais.
Esses desenvolvimentos, que atuam no sentido de ampliar os graus de autonomia da região, são contrabalançados, porém, pelas tendências de desagregação política que afetam alguns países da região, e pelos diferentes modelos de inserção internacional que coexistem no subcontinente. Se alguns dos países até recentemente mergulhados em crises agônicas (caso do Equador, mas principalmente da Bolívia) lograram superar seus desafios mais prementes, e hoje atravessam um ciclo incomum de crescimento e relativa estabilidade, outros viram agravar seus desequilíbrios internos e externos, e se debatem agora em crises agudas, passíveis de pôr em questão suas perspectivas econômicas no médio prazo, e ameaçar suas frágeis democracias (caso da Venezuela, e da Argentina). As dificuldades enfrentadas pelos dois vizinhos não poderiam de impactar o mais amplo e mais ambicioso projeto de integração em curso no espaço sul-americano (o Mercosul), e põe em xeque, de forma ainda mais profunda, o projeto de integração bolivariano, lançado e liderado pela Venezuela. Tal situação contrasta com aquela conhecida nos últimos anos pelos países que compõem a Aliança do Pacífico (Chile, Peru, Colômbia, México), todos eles vinculados por acordos de livre comércio com os Estados Unidos. O problema coletivo é como conviver com opções diversas no plano dos modelos de inserção econômica, sem permitir que as mesmas se convertam em rivalidades políticas com efeitos deletérios para a autonomia de cada um dos países concernidos, e para o conjunto da região.